quarta-feira, 19 de novembro de 2008

O peso dos desaparecidos do Congo

Por André Amaral
11/11/08

Acordo pesado, minha mãe sorri diz que me ama e sente falta de ter mais tempo em minha companhia. Sorrio para ela, mas sem retribuir o carinho recebido. Minha irmã brinca comigo, puxa conversa só para ouvir minha voz, falo de forma automática, ouço-a com desinteresse como quem cumpre um papel familiar pré-estabelecido. Converso com minha namorada ao telefone, ela percebe minha voz apática, mas, não conseguindo achar uma causa, deito a culpa por costume contemporâneo, no cansaço.
Não é o cansaço que alimenta minha angústia. Não é uma causa pontual. São cinqüenta mil causas. Cinqüenta mil desaparecidos da República pouco Democrática do Congo. Ontem me impressionei, por obrigação humanitária, ao ouvir tal notícia num curso de Estética Teatral. Eu nem sabia que no Congo também havia o conflito entre os tutsis e os hutus (Isso não é um conflito de Ruanda?). Não. É um conflito étnico que deveria estar sendo discutido em todas as mídias mundiais em prol de uma solução pacífica, é um conflito que se alastra, dura alguns anos e carrega alguns milhões de mortos.É a herança do Neo-colonialismo desenfreado em terras africanas, dos diamantes lapidados nas carnes barrentas em poças de sangue. São os braços amputados dos meninos numa guerra de facões. Esse é o peso que em mim e em qualquer ser humano devia repousar. Na tentativa de cavar informações sobre o ocorrido no Congo, por curiosidade e comodismo, digitei algo como “desaparecidos do Congo” no site Google e qual não foi minha surpresa em encontrar vários registros que comentavam sobre a descoberta de 125 mil gorilas-da-planície-ocidentais, nas profundezas da floresta equatorial da República do Congo.
Assumindo o afastamento da frase com seu contexto original, mas considerando-a um “gestus” brechtiano (que é a deflagração por meio gestual de uma contradição social, aqui seria mais como um gestus frasal, se é que isso é possível) registro aqui um trecho do comentário da pesquisadora Emma Stokes sobre a descoberta dos gorilas:
"É uma descoberta muito significativa, se levarmos em conta o terrível declínio populacional dessas criaturas magníficas” (...)

Não discordo da pesquisadora sobre o quão magníficos são os gorilas. Nem que é realmente terrível a morte destas criaturas (escrevo isso sem desejo de ser irônico). Mas fico pasmo em saber que cinqüenta mil seres humanos que habitam o mesmo país que os magníficos gorilas, desapareceram e muito pouco se comenta sobre isso. São seres sem voz, sem rosto e sem choro. Enquanto um outro negro, sozinho, bem vivo e bem vestido, com bela voz e conhecido rosto, estampa a capa dos jornais e revistas em quase todos os lugares do mundo. Em uma delas, aqui no Brasil, a foto é um close no rosto em que cai uma lágrima do olho direito. E o motivo desta lágrima não é o desaparecimento de milhares de congolenses, negros como ele. O motivo é que ele se tornou presidente na nação mais rica do Ocidente e anunciou que pretende mudar o mundo. Espero que alguns de seus acessores o informe sobre o que está ocorrendo no Congo. Será um bom começo.
Quanto á mim, não me sinto mais leve ao escrever, nem mesmo considero um ato solidário. Não chorei por estes seres humanos. Não pretendo chorar. Não sabia nada sobre isso até ontem, e continuo sabendo mais sobre teoria literária e teatralidade do que sobre o que acontece ao redor do mundo. A notícia pouco ou nada afetou, o decorrer da aula sobre teatro contemporâneo no Núcleo de Estética Teatral da Escola Livre de Teatro, quiçá, irá fazer algum barulho num mundo em que não se ouve mais nem os próprios sons internos. Apenas me permito pesado, e acredito que do alto de minha experiência acumulada nesses vinte e dois anos, algo é possível de ser feito, nem que seja um texto que comunique a letargia (palavra que aprendi ontem) e a incapacidade de um jovem brasileiro de lidar com notícias tão terríveis e com uma globalização jornalística manipuladora que valora quem e o quê merece reflexão, choro ou esquecimento.

OBS: Quando terminar de ler esta angústia crônica faça algo por isso, nem que seja se informar melhor para se sentir mais impotente, e á partir da impotência, buscar incansavelmente mudanças de comportamento pessoal que reverbere no coletivo. Se souberes dançar, dance esta dor, se é jornalista, noticie este horror, algo precisa ser feito para que isso não se perpetue no esquecimento.

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