domingo, 23 de novembro de 2008

Quando uma velha casa vira um novo museu ?

O silêncio reside no alpendre e só é interrompido por um rouco e insistente latido canino. Pássaros cantam, mas esses encantam o silêncio sem feri-lo. Alguns passos aqui passados cristalizaram neste lugar uma energia potente, uma redoma que pede respeito. Até o sol chega de manso com sua luz quente e vagarosa tão disputada pelos funcionários e suas cadeiras. Quando questionei um pequenino sobre a idade da Casa, ele me disse aberto em sorriso.
- Mil anos.
Menos. Mais de trezentos têm, considerando o primeiro documento que cita a Casa, em 1698, o inventário do Padre Matheus Nunes de Siqueira que deixou a sede de sua fazenda para Mathias Rodrigues da Silva (se ele não aceitasse deixaria para Jacinto Nunes, e se houvesse mais uma recusa deixaria para quem quisesse). Mathias é apontado como o construtor da Casa.
Lá se vai ao vão mais de trezentos anos de construção.
Hoje, dentro da Casa mais velha que a lembrança mais longínqua de sua vizinha (Dona Dora), ela integra o conjunto de Casas históricas do Museu da Cidade de São Paulo. Questiono-me quando, ao findar o dia, volto a minha casa e olhando-a de fora rascunho uma reflexão: A minha casa é histórica?
Não titubeio.
Pois que sim toda casa tem sua história. Elas são como caixas mágicas que armazenam sons e imagens na memória das paredes. Pois então porque minha casa não é um museu?
Ainda moro lá (foi a resposta que pulou da minha cabeça). Meus pais e meus irmãos também. E se aprendemos que museu é um lugar de coisas velhas, o que as pessoas iriam visitar na minha casa. As meias jogadas no meu quarto seriam objetos museológicos?
Não ainda.
O tempo decide. Aliás, o tempo determina não só o que vai parar num museu, como atribui diferentes significados para um mesmo objeto.
Daqui a trezentos anos, talvez, se minha meia for escavada e minha casa estiver preservada poderá se transformada num museu.
Pra que?
Para reconstruir meu cotidiano á partir dos achados arqueológicos de objetos que uso sem atribuir importância – iriam rir da sociedade exótica que ainda necessitava de meias para aquecer os pés? - Isso me fez lembrar a frase que ouvi de um professor de história: Compreender como chegamos e estamos ajuda compreender para onde queremos chegar. Parece estranho, mas pode-se dizer que o passado modifica o futuro. Olhando o que se foi, observo o que está e modifico o que vai ser. Talvez o tempo decidiu ser um só e nós ainda não absorvermos esta escolha.Um dia o poeta cantou um museu de grandes novidades, e sem assombro, isso me parece tão possível.A Casa do Tatuapé sendo pública é de todos, sendo de todos, não consegue abrigar tantos.
Aqui não se dorme, se visita. Ela sendo de tantos, ainda consegue ser livre.
Exibe-se.
Já fui queimada. Já hospedei escravo e nobre. Já vi morrer aqui dentro. Dentro de mim vi nascimento. Já me tombaram, mas eu não caí.
Resisto.
As crianças fazem cócegas em mim com seus pés e seus pulos.Ouço-os falando aos outros de mim (fofocas de meu passado).O bairro eu vi crescer sem aceitar meu desejo maternal, rebelde, ele virou as costas para mim.Renegaram meu moreno barro e me cobriram de um branco cal.
Alguns se espantam. Sim eu ainda sou de barro, sinuosa e curvilínea!
Casa de barro no bairro invadido pelo concreto. Minhas paredes dançam para o invisível (inconcreto).

2 comentários:

Confins disse...

André, acho já bonito o seu blog pelas coisas que estão e por aquelas que ainda virão... acho que essa relação com o futuro e o passado é sobretudo dada pela linguagem... e é pela linguagem que consolidamos muitos atos, não só de fala e escrita, mas de sentir, se é que se pode pensar nisso como um ato.
um beijo.

MarceloJ Bresciani disse...

André, gostei muito do seu blog e do texto. Parabéns!